98% das Empresas Brasileiras Investem em IA, Mas 69% Admitem que Equipes Não Estão Prontas — Por Que Esse Gap é Sua Maior Oportunidade

Existe um paradoxo fascinante acontecendo bem debaixo dos nossos narizes no mundo corporativo brasileiro. Enquanto 98% das empresas no Brasil estão investindo em inteligência artificial, impressionantes 69% das lideranças admitem que suas equipes ainda não estão prontas para aproveitar essa tecnologia com sucesso.

Pense nisso por um momento: estamos falando de quase todas as empresas do país apostando fichas na IA, mas mais de dois terços delas reconhecendo que não têm as pessoas certas para fazer essa aposta valer a pena. É como comprar um carro de Fórmula 1 e descobrir que não temos pilotos qualificados para dirigi-lo.

O Investimento Não É o Problema — A Preparação É

Durante minha trajetória apoiando mais de 10 mil startups e acompanhando a evolução do ecossistema tecnológico brasileiro, já vi esse filme algumas vezes. A empolgação com uma nova tecnologia sempre chega antes da capacitação para usá-la adequadamente.

Os dados são ainda mais reveladores quando olhamos globalmente. Segundo a mesma pesquisa, 95% das empresas mundiais estão investindo em IA, e 71% das lideranças globais admitem o despreparo das equipes. O Brasil, surpreendentemente, está ligeiramente à frente tanto nos investimentos quanto no reconhecimento honesto de nossas limitações.

Mas aqui está o ponto crucial: 43% das empresas brasileiras (51% globalmente) admitem que não têm talentos qualificados para gerenciar as frentes de IA. Isso não é apenas um número — é um grito de socorro disfarçado de estatística.

Por Que Estamos Investindo Antes de Nos Prepararmos?

A resposta é simples e compreensível: FOMO (Fear of Missing Out). O medo de ficar para trás está fazendo as empresas correrem para investir em IA sem pensar na infraestrutura humana necessária para sustentar esses investimentos.

É uma reação natural e, até certo ponto, saudável. Quem não investe em IA hoje pode realmente ficar para trás amanhã. Mas investir sem preparar as pessoas é como construir uma casa começando pelo telhado.

Vejo empresas comprando licenças caríssimas de ferramentas de IA, contratando consultorias especializadas, criando “comitês de IA” — tudo isso sem antes se perguntar: nossas equipes sabem realmente como integrar essas ferramentas aos processos existentes? Elas entendem as limitações e potencialidades da tecnologia?

O Que Significa “Estar Pronto” para IA?

Quando falamos de preparação para IA, não estamos falando apenas de capacitação técnica — embora ela seja importante. Estamos falando de uma transformação mais profunda na mentalidade organizacional.

Estar pronto para IA significa:

• Compreender as limitações: Saber quando a IA pode ajudar e quando ela pode atrapalhar
• Desenvolver senso crítico: Como bem apontou Michael D. Watkins no Valor Econômico, “a IA é uma ferramenta poderosa que pode complementar e aumentar as capacidades dos líderes”, mas nunca substituir o raciocínio estratégico humano
• Implementar governança adequada: Especialmente importante quando vemos os riscos éticos emergindo, como o aumento preocupante de deepfakes documentado pelo Oxford Internet Institute
• Cultivar uma cultura de experimentação: Permitir falhas rápidas e aprendizado contínuo
• Investir em upskilling: Capacitar as equipes existentes ao invés de apenas contratar “especialistas em IA”

Os Riscos de Investir Sem Preparação

As últimas 24 horas nos trouxeram exemplos preocupantes do que acontece quando a IA é implementada sem a devida preparação e governança. Usuários relatam crises existenciais e até episódios de psicose após conversas com chatbots, enquanto “alucinações” de IA causam desinformação prejudicial a pessoas reais.

Esses casos extremos nos lembram que a IA não é apenas uma ferramenta neutra — ela carrega responsabilidades e riscos que precisam ser gerenciados ativamente.

Como Transformar Esse Gap em Vantagem Competitiva

Aqui está a boa notícia: esse gap entre investimento e preparação não é um problema — é uma oportunidade gigantesca. As empresas que conseguirem fechar essa lacuna primeiro terão uma vantagem competitiva sustentável.

1. Comece pela Mentalidade, Não pela Tecnologia

Antes de implementar qualquer ferramenta de IA, invista tempo desenvolvendo uma mentalidade de trabalho colaborativo com máquinas. Suas equipes precisam entender que IA não é magia — é uma ferramenta poderosa que amplifica capacidades humanas quando bem utilizada.

2. Crie Programas de Capacitação Estruturados

Não basta enviar o pessoal para um “curso de IA” de fim de semana. Desenvolva programas estruturados que combinem teoria e prática, com projetos reais e mentoria contínua.

3. Implemente Governança Desde o Início

Estabeleça diretrizes claras sobre uso ético de IA, privacidade de dados e responsabilidades. Os casos recentes de uso inadequado nos mostram que essa não é uma preocupação para o futuro — é uma necessidade do presente.

4. Promova Experimentação Segura

Crie ambientes controlados onde as equipes possam experimentar com IA sem riscos para os processos críticos da empresa. É errando (de forma segura) que se aprende.

O Futuro Pertence às Empresas que Investem em Pessoas

Enquanto acompanho o lançamento do novo modelo o3-pro da OpenAI, fico impressionado com o ritmo de evolução tecnológica. Mas também fico convencido de que a verdadeira diferenciação não está na tecnologia que você compra — está nas pessoas que você capacita para usá-la.

As startups que apoiei ao longo dos anos que mais se destacaram não foram necessariamente as que tinham a melhor tecnologia no início. Foram as que tinham as melhores pessoas e a maior capacidade de aprender e se adaptar rapidamente.

A mesma lógica se aplica às grandes empresas hoje. A IA democratiza o acesso à tecnologia avançada — qualquer empresa pode comprar as mesmas ferramentas. Mas nem toda empresa tem pessoas preparadas para extrair valor real dessas ferramentas.

Um Chamado à Ação para Lideranças

Se você é líder de uma empresa que está investindo em IA, pare por um momento e se faça essas perguntas honestas:

• Suas equipes sabem realmente como usar as ferramentas de IA que você está comprando?
• Você tem processos claros para governança e uso ético da IA?
• Seus investimentos em capacitação estão proporcionais aos seus investimentos em tecnologia?
• Você está medindo o ROI dos seus investimentos em IA de forma adequada?

Se a resposta para qualquer uma dessas perguntas for “não” ou “mais ou menos”, você não está sozinho. Faz parte dos 69% das lideranças que reconhecem o gap de preparação.

Mas reconhecer o problema é o primeiro passo para resolvê-lo. E resolver esse problema é uma das maiores oportunidades de diferenciação competitiva que temos hoje.

O Momento é Agora

A boa notícia é que nunca foi tão fácil capacitar equipes em IA. Existem recursos, comunidades, programas de mentoria e especialistas (como eu) focados exatamente em ajudar empresas a fechar esse gap.

A má notícia é que essa janela de oportunidade não ficará aberta para sempre. As empresas que começarem a investir seriamente na capacitação de suas equipes hoje terão uma vantagem significativa sobre aquelas que continuarem apenas comprando tecnologia sem desenvolver as pessoas.

Em meu trabalho de mentoria com empresas, vejo diariamente como a combinação certa de tecnologia e pessoas preparadas pode gerar resultados extraordinários. Não se trata de substituir humanos por máquinas — se trata de criar times híbridos que amplificam o melhor de ambos os mundos.

O gap de preparação revelado por essa pesquisa não é um problema a ser lamentado. É uma oportunidade a ser aproveitada. A pergunta é: sua empresa vai ficar apenas nas estatísticas ou vai fazer parte da solução?