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O Paradoxo Brasileiro da IA: Alta Adoção, Profunda Desigualdade e o Risco de Sermos Engolidos

março 14, 2025 | by Matos AI

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A inteligência artificial já está entre nós, brasileiros. E não é uma adoção tímida: segundo pesquisa recente da HSR Specialist Researchers, divulgada com exclusividade pela Época NEGÓCIOS, mais de 80% dos jovens entre 18 e 34 anos no Brasil já utilizam ferramentas de IA generativa. Isso poderia ser uma ótima notícia – afinal, a rápida adoção de tecnologias emergentes costuma ser um indicador de dinamismo e potencial inovador de um país.

Mas os dados revelam um paradoxo que me preocupa profundamente como alguém que acompanha há décadas a evolução do ecossistema de inovação brasileiro: estamos adotando rápido, sim, mas de forma profundamente desigual.

A face da desigualdade digital na era da IA

Os números são reveladores: enquanto 95% da classe A já utiliza ferramentas de IA generativa, apenas 61% das classes C2, D e E tiveram essa oportunidade. A escolaridade também desenha uma linha clara: 80% das pessoas com ensino superior completo usam IA, contra apenas 31% daqueles com ensino médio completo.

Essa não é apenas uma questão de acesso à tecnologia. Conforme aponta a pesquisa da HSR, há uma diferença fundamental na percepção de capacidade: “As classes mais altas têm a percepção de que vão conseguir aprender e dominar a tecnologia, o que não acontece tanto nas mais baixas.”

Este é o verdadeiro abismo digital que enfrentamos: não apenas o acesso desigual, mas a desigualdade na confiança e percepção de domínio dessas ferramentas.

A Europa se reinventa enquanto o Brasil hesita

Enquanto lidamos com nossos desafios internos, o cenário global não para de evoluir. A União Europeia, tradicionalmente vista como uma força reguladora, acaba de dar um passo ousado: anunciou investimentos de 200 bilhões de euros em IA, buscando se posicionar como o terceiro grande polo global na tecnologia, ao lado de EUA e China.

A mudança europeia é estratégica e bem calculada. Durante o AI Action Summit na França, a Europa estabeleceu um plano que vai além da simples regulação – quer estimular a inovação em diversas indústrias, da tecnologia pura ao setor industrial e aeroespacial.

O contraste com o Brasil é preocupante. Como alertam especialistas, corremos o risco de sermos “engolidos” nesta nova configuração global. Não temos grandes empresas de tecnologia, dependemos de regulamentações estrangeiras e, para piorar, não estamos nem perto de resolver nossa profunda desigualdade digital interna.

Já conversamos sobre esse tema antes: a globalização tecnológica tem seus vencedores e perdedores. A questão é: queremos mesmo estar no segundo grupo?

A IA está em todo lugar, para todos os públicos

Um aspecto fascinante deste momento é como a IA está se infiltrando em todos os setores e para os mais diversos públicos. Vamos a alguns exemplos recentes:

Da comida que consumimos aos jogos que jogamos, da maneira como nos deslocamos até como interagimos com máquinas – a IA está redesenhando absolutamente tudo. E cada uma dessas aplicações representa oportunidades de negócios e inovação.

A emergência da China como potência de IA

Um destaque recente que merece nossa atenção é o surgimento da Manus AI, um novo modelo de IA chinês que está chamando atenção por dispensar o uso de prompts complexos e focar em automação de processos criativos e assistência em tomadas de decisão.

O lançamento da startup Butterfly Effect já atraiu dois milhões de pessoas para sua lista de espera – um sinal claro do apetite global por soluções de IA cada vez mais acessíveis e intuitivas.

Este caso ilustra perfeitamente como a China continua firme na corrida pela liderança em IA, agora com foco também na experiência do usuário e não apenas na capacidade bruta dos modelos.

A tensão entre inovação e trabalho humano

Enquanto a IA avança, cresce também o debate sobre seu impacto no mercado de trabalho. Uma análise recente do Estadão traz um ponto importante: não é a IA em si que desumaniza o trabalho, mas sim como escolhemos implementá-la.

A tecnologia pode tanto substituir profissionais quanto potencializar suas capacidades. O caminho que seguiremos depende de decisões que estamos tomando agora – nas empresas, nas políticas públicas e nas instituições de ensino.

Em meu trabalho com startups e corporações, tenho defendido constantemente que precisamos pensar em inteligência aumentada, não substitutiva. É sobre como potencializar o que os humanos fazem de melhor através da tecnologia, não sobre substituir pessoas por algoritmos.

A batalha pelos direitos autorais na era da IA

Outro tema que ganha força é a disputa legal em torno do uso de obras criativas para treinamento de IA. Na França, editoras e autores estão processando a Meta por uso não autorizado de obras literárias no treinamento de seus modelos.

Esse caso é apenas a ponta do iceberg de um debate que vai se intensificar nos próximos anos: como equilibrar a inovação tecnológica com a proteção da propriedade intelectual e a remuneração justa dos criadores?

Para startups brasileiras que estão desenvolvendo soluções baseadas em IA, esta é uma questão que precisará ser enfrentada desde cedo – e que pode ter impacto direto em seus modelos de negócio.

O que podemos fazer para não sermos engolidos?

Diante deste cenário complexo, qual caminho o Brasil deve seguir? Como posso contribuir como empreendedor, e como você pode se posicionar neste novo mundo? Aqui estão algumas reflexões:

1. Democratizar o conhecimento sobre IA

Não podemos aceitar que a proficiência em IA seja privilégio de apenas uma parcela da população. Precisamos de programas de capacitação que cheguem a todas as classes sociais e níveis educacionais. Isso começa com desmistificar a tecnologia e mostrar aplicações práticas e acessíveis.

Em meu trabalho de mentoria com startups, tenho visto que muitas vezes o maior obstáculo não é a tecnologia em si, mas a percepção de que ela é inalcançável ou difícil demais. Precisamos mudar essa narrativa.

2. Desenvolver capacidade local em IA

Não teremos soberania tecnológica sem investir em pesquisa e desenvolvimento local. Isso significa apoiar startups brasileiras que estão desenvolvendo modelos de IA adaptados à nossa realidade, nossa língua e nossas necessidades específicas.

O Brasil tem talentos extraordinários em ciência de dados e engenharia de software – precisamos criar condições para que eles desenvolvam tecnologia aqui, em vez de serem atraídos para polos tecnológicos no exterior.

3. Preparar nosso ecossistema para a competição global

Se a Europa está investindo 200 bilhões de euros em IA, precisamos encontrar nosso próprio caminho para ser competitivos. Isso passa por políticas públicas inteligentes, colaboração entre academia e indústria, e formação de talentos em escala.

Minha experiência liderando iniciativas como Startup Farm e Start-Up Brasil me mostrou que é possível criar programas eficientes de apoio ao ecossistema empreendedor com recursos muito mais modestos que os europeus ou americanos – desde que haja foco e continuidade.

4. Reavaliar nossos modelos educacionais

Não podemos continuar formando profissionais para um mundo que não existe mais. As neo-universidades e novos modelos educacionais precisam incorporar a fluência em IA como competência básica para praticamente todas as carreiras.

A mudança educacional que defendo vai além de incluir disciplinas sobre IA nos currículos – é sobre transformar completamente a forma como ensinamos e aprendemos, com foco no desenvolvimento de criatividade, pensamento crítico e capacidade de trabalhar junto com sistemas inteligentes.

O futuro da IA no Brasil depende das escolhas que fazemos hoje

Os dados são claros: estamos em uma encruzilhada. Podemos permitir que a IA aprofunde desigualdades existentes, ou podemos usar esta tecnologia transformadora como alavanca para criar um país mais justo e competitivo globalmente.

Em minhas palestras e consultorias, frequentemente discuto como a tecnologia em si é neutra – são nossas escolhas que determinam se ela será uma força para o bem ou para o mal. Com a IA, isso nunca foi tão verdadeiro.

No meu trabalho de mentoria com empreendedores, tenho destacado que as maiores oportunidades estão justamente em usar a IA para resolver grandes problemas sociais e econômicos do Brasil. As startups que entenderem como aplicar essa tecnologia para questões como educação acessível, saúde preventiva e inclusão financeira terão não apenas um propósito nobre, mas também um enorme mercado potencial.

O paradoxo brasileiro da IA – alta adoção, profunda desigualdade – é um desafio, sim. Mas também é um chamado à ação. Um convite para que empresários, educadores, formuladores de políticas públicas e cidadãos comuns se unam em torno de uma visão comum: um Brasil que usa a inteligência artificial não apenas para consumir produtos importados, mas para resolver seus problemas mais urgentes e se posicionar como protagonista no cenário global.

É nessa direção que tenho orientado meus projetos e investimentos. E é para essa jornada que convido você a se juntar a mim.

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