Claro Democratiza ChatGPT Enquanto Confiança na IA Despenca — Por Que Este Paradoxo Define o Momento Mais Crítico da Adoção Responsável no Brasil

As últimas 24 horas trouxeram um paradoxo fascinante: enquanto a Claro anuncia parceria com o ChatGPT para democratizar IA no Brasil, uma pesquisa do Instituto Locomotiva revela que a confiança dos brasileiros na inteligência artificial vem despencando nos últimos quatro anos.

Como alguém que acompanhou a evolução de mais de 10 mil startups, posso dizer que raramente vi uma tecnologia enfrentar simultaneamente expansão acelerada e ceticismo crescente. E isso não é apenas uma curiosidade estatística — é o sinal de que estamos no momento mais crítico para definir como a IA será adotada de forma responsável no país.

A Democratização que Chegou pelas Telecoms

A parceria entre Claro e OpenAI representa muito mais que um acordo comercial. É o reconhecimento de que as telecoms se tornaram os verdadeiros democratizadores da tecnologia no Brasil — algo que testemunhei em várias iniciativas de inclusão digital ao longo dos anos.

Os números impressionam: o Brasil já é um dos maiores mercados do ChatGPT globalmente, com 140 milhões de mensagens diárias. O uso se concentra em redação e comunicação (20%), aprendizagem e capacitação (15%) e programação (6%). Isso mostra que os brasileiros não estão apenas “brincando” com IA — estão usando para trabalho e desenvolvimento profissional.

A iniciativa da Claro de oferecer quatro meses gratuitos do ChatGPT Plus para novos clientes pós-pagos não é apenas estratégia comercial. É política pública informal, ampliando o acesso a ferramentas que custam US$ 20 mensais e podem revolucionar a produtividade de milhões de brasileiros.

Por Que a Confiança Está Despencando

Mas aqui está o paradoxo: apesar do uso crescente, 82% dos brasileiros já usaram IA generativa pessoalmente e 57% no trabalho, mas a confiança vem caindo consistentemente desde 2021 em praticamente todos os setores avaliados.

Os dados são reveladores:

• Veículos autônomos: apenas 51% são favoráveis
• Recomendação de notícias: aprovação caiu de 73% em 2021 para 57%
• Atendimento telefônico e tratamentos médicos: todas as áreas registraram quedas acima da margem de erro

Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, capturou bem o dilema: a IA tem potencial transformador, mas carrega riscos significativos de desinformação e vieses. É exatamente por isso que o Instituto Inteligência Artificial de Verdade classifica a tecnologia em “artificial de verdade” (usos positivos) versus “artificial de mentira” (golpes e fake news).

Os Perigos Reais que Alimentam o Ceticismo

O ceticismo não é infundado. Vídeos gerados por IA estão alimentando polarização política, criando deepfakes que reforçam estereótipos e disseminam ódio. A tecnologia Veo 3 facilita a criação rápida de conteúdo manipulativo que pode influenciar eleições e fragmentar ainda mais nossa sociedade.

Mais grave ainda: o caso do adolescente Adam Raine, que se suicidou após milhares de conversas com ChatGPT, levanta questões fundamentais sobre os limites da IA em contextos terapêuticos. Quando uma tecnologia substitui conexões humanas em momentos de vulnerabilidade, estamos pisando em terreno perigoso.

A Resposta Vem da Governança, Não da Resistência

Mas aqui está onde minha experiência com startups me ensina algo importante: a solução não está na resistência à tecnologia, mas na construção de governança responsável.

Vejo sinais promissores nessa direção. A Anatel quer se posicionar como agência reguladora de IA — uma iniciativa que pode oferecer a clareza jurídica que empresas e usuários precisam para adotar a tecnologia de forma segura.

Mais significativo ainda: o governo anuncia investimento de R$ 23 bilhões até 2028 no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, focado em uma abordagem inclusiva, soberana e ética. Como destacou a ministra Esther Dweck, o objetivo é que a IA amplie liberdades humanas, não aprofunde desigualdades.

O Novo Paradigma dos Negócios

Para empreendedores e líderes empresariais, as mudanças já começaram de forma irreversível. As pessoas estão substituindo buscas no Google por perguntas diretas a IAs, mudando completamente o jogo do marketing digital.

A disputa deixa de ser por cliques e passa a ser por recomendações feitas pelas IAs. Isso significa que autoridade, reputação e consistência online se tornam ainda mais essenciais. O modelo baseado em anúncios pagos e perfis “bonitos” está se tornando obsoleto — agora precisamos de conteúdo útil e presença digital consolidada.

No B2B, a IA já revoluciona prospecção e vendas, identificando clientes ideais, decisores corretos e o momento exato para abordagem. Na Europa, líderes de vendas relatam retornos expressivos no primeiro ano de adoção.

Lições Práticas para Navegação Responsável

A pesquisa com bibliotecários profissionais trouxe insights valiosos sobre como usar IA de forma mais eficaz:

• Use o modo IA do Google: venceu os testes por seu raciocínio e múltiplas pesquisas
• Seja muito específico: forneça contexto, exemplos e limites temporais
• Conheça os pontos cegos: defasagem em eventos recentes, dificuldade com elementos visuais
• Cheque as citações: IAs podem apresentar links errados ou irrelevantes
• Compare respostas: use diferentes ferramentas para reduzir erros

Estes não são apenas “truques” — são princípios de letramento digital que precisamos ensinar em escala.

A Criatividade Ainda é Humana

Enquanto discutimos governança e riscos, o Google lança o Nano Banana, ferramenta que mantém consistência visual de personagens em múltiplas imagens — um avanço crucial para narrativas visuais como quadrinhos e publicidade.

Isso levanta uma questão fundamental: a IA está democratizando a criação ou substituindo criadores? Na minha experiência com startups, a resposta é “ambos” — e cabe a nós decidir qual prevalece.

O Momento de Definir o Futuro

Estamos vivendo um momento único na história da tecnologia. Nunca uma inovação se espalhou tão rapidamente (140 milhões de mensagens diárias só no Brasil) enquanto simultaneamente gerava tanto ceticismo justificado.

A parceria Claro-ChatGPT pode ser vista como democratização ou como exposição prematura de milhões de usuários a uma tecnologia ainda em desenvolvimento. A queda da confiança pode ser vista como sabedoria coletiva ou como resistência ao inevitável.

A verdade é que ambas as perspectivas são válidas — e é exatamente por isso que precisamos de abordagens equilibradas que promovam inclusão digital sem ignorar riscos reais.

Preparando Líderes para a Era da IA Responsável

Como alguém que acompanha transformações tecnológicas há mais de 25 anos, vejo que estamos no momento mais crítico para formar líderes capazes de navegar este paradoxo. Não basta ter acesso à tecnologia — precisamos de competências para uso responsável.

Isso inclui desde habilidades técnicas de prompt engineering até competências éticas para identificar quando a IA é apropriada ou não. Inclui entender tanto as possibilidades de automação quanto os limites da substituição humana.

No meu trabalho de mentoring, vejo empreendedores enfrentando exatamente este dilema: como aproveitar o potencial transformador da IA sem perder a essência humana que diferencia seus negócios? A resposta não está em escolher entre tecnologia e humanidade, mas em encontrar sínteses inteligentes.

O Brasil tem uma oportunidade única de liderar a adoção responsável de IA globalmente. Com investimento governamental robusto, marco regulatório em construção e um ecossistema de inovação cada vez mais maduro, podemos ser referência mundial em como democratizar tecnologia transformadora sem sacrificar valores humanos fundamentais.

Afinal, como aprendi acelerando milhares de startups: as melhores inovações não substituem a humanidade — elas a amplificam.